19 de dezembro de 2011

Menor proteção dos rios pode extinguir 30% das aves

Uma das alterações propostas na reforma do Código Florestal, a qual vem sendo discutida pelos legisladores em Brasília, é reduzir de 30 metros para 15 metros (em cada margem) a largura mínima das Áreas de Preservação Permanente (APP) que precisam ser recompostas ao longo dos cursos d’água. Se isso ocorrer, a consequência pode ser a perda de 30% das espécies de aves nessas áreas.


Relação entre a largura das faixas de vegetação nativa e o número de espécies de aves florestais no Planalto Atlântico de São Paulo. A equação de Michaelis-Menten, tradicionalmente utilizada para descrever cinética enzimática, mostra que um redução da largura de APPs de 60 para 30 metros pode reduzir o número de espécies de aves de 30 para cerca de 20. (Figura de Carlos Candia-Gallardo).

A dissertação de mestrado O valor de corredores florestais para a conservação de aves em paisagens fragmentadas, de Carlos Gallardo, avaliou como o número e tipos de espécies de aves que ocorrem em faixas de vegetação nativa em áreas agrícolas do Planalto Atlântico de São Paulo são influenciadas pela largura destas faixas. O trabalho concluiu que a equação de Michaelis-Menten é um dos modelos mais capazes de descrever essa relação.


Normalmente, a equação de Michaelis-Mentem é usada para descrever a velocidade das reações de enzimas – as diminutas moléculas que realizam reações químicas essenciais à vida, presentes em praticamente todos os organismos vivos. Mas apesar de ter sido desenvolvida para explicar um fenômeno de escala tão distinta, ela surpreendeu por ajudar a entender os efeitos que uma redução da largura de corredores florestais a margem de rios poderiam acarretar sobre as aves.

"...sob a perspectiva das aves dependentes da Mata Atlântica, a largura das APP ao longo dos rios deveria ser aumentada pelo menos até 100m, e não diminuída pela metade."
Os resultado do trabalho mostram que corredores florestais no Planalto Paulista com mais de 100 m de largura abrigam um conjunto de aves semelhante ao de áreas de floresta. Já corredores com menos de 60 m de largura abrigam um reduzido número de espécies, em sua maioria espécies comuns, generalistas e de ampla distribuição no continente.

A relação não linear (Michaelis-Menten) entre largura de corredor e número de espécies (ver figura) sugere que uma redução pela metade na largura mínima das APP – de 60 m (30 para cada lado do rio) para 30 m - poderia acarretar em uma perda de cerca de 30% no número de espécies de aves. E essas aves “perdidas” seriam justamente aquelas mais exigentes, restritas às manchas de Mata Atlântica e incapazes de habitar faixas de vegetação estreitas. São espécies cujas populações já vêm declinando. Portanto, sob a perspectiva das aves dependentes da Mata Atlântica, a largura das APP ao longo dos rios deveria ser aumentada pelo menos até 100 m, e não diminuída pela metade.

Resta saber se na reforma do Código Florestal o Brasil vai levar em conta a perspectiva das aves, das enzimas e de toda a gama de serviços ambientais que a biodiversidade proporciona e da qual a economia depende, ou se vai priorizar interesses particulares e imediatistas.


Estas 3 espécies foram encontradas apenas em faixas de vegetação com largura superior a 100 metros. | Clique para ampliar.

Surucua variado (Trogon surrucura). Foto: Guilherme Serpa

Papa-formigas-de-grota (Myrmeciza squamosa). Foto: Guilherme Serpa

Tiê de topete (Tricothraupis melanops); Foto: Samuel Betkwoski



A dissertação de mestrado O valor de corredores florestais para a conservação de aves em paisagens fragmentadas é de autoria do biólogo Carlos Candia-Gallardo orientado pelo Prof. Dr. Jean Paul Metzger. Foi produzida no Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP)


Carlos Candia-Gallardo é biólogo e mestre em ecologia pela Universidade de São Paulo. Realiza pesquisas em ornitologia e conservação da biodiversidade em diferentes biomas brasileiros.
Jean Paul Metzger é biólogo, doutor em Ecologia de Paisagens pela Universidade Paul Sabatier de Toulouse, França. Atualmente é professor titular do Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo e vice-presidente da International Association for Landscape Ecology – IALE.

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