15 de fevereiro de 2012

Novo Código Florestal expõe áreas úmidas como o Pantanal

O Pantanal Matogrossense próximo da fronteira com a Bolívia. (Foto: Google Maps)

A discussão sobre o novo código florestal já se arrasta por vários anos, esperando-se para breve o desfecho dos debates sobre o tema na Câmara dos Deputados. Entretanto, no bojo dessa discussão, os ecossistemas de áreas úmidas (AUs), de grande magnitude e relevância, não vêm recebendo o tratamento adequado. Estima-se que as áreas úmidas Brasileiras perfaçam aproximadamente 20% do território nacional. Apesar de sua extensão e importância, elas não são abordadas na Constituição Brasileira e não são definidas como ecossistemas específicos pela legislação do país.

A destruição de áreas úmidas importantes ao longo de riachos, rios e em áreas interfluviais pode levar à perda de serviços ambientais fundamentais para a nação, sob o ponto de vista ecológico, econômico, e social, incluindo a destruição de uma numerosa e única biodiversidade.


As áreas úmidas prestam serviços importantes para o meio ambiente e os seres humanos, tais como armazenamento e purificação de água, retenção de sedimentos, recarga do nível de água do solo, regulação do clima local e regional e a manutenção de uma grande biodiversidade. Além disso, alguns destes ecossistemas abrigam populações humanas com traços culturais únicos, que tem sua fonte de proteína e de renda dependente dos estoques pesqueiros, da agricultura de subsistência, da pecuária e da extração de madeira que podem ser realizadas de maneira sustentável, com baixo impacto ambiental.
Grande parte das áreas úmidas brasileiras, devido ao regime de chuvas sazonal, é submetida a níveis de água variáveis, resultando em sistemas pulsantes com períodos de seca e cheia bastante pronunciados. Inundações periódicas ocorrem ao longo de pequenos rios em muitos pulsos imprevisíveis e de curta duração, variando de acordo com eventos de chuvas e secas locais. As grandes áreas de cerrado ao longo do alto rio Paraguai e seus afluentes (mais conhecidas como Pantanal Matogrossense), as savanas alagáveis ao longo dos rios Araguaia e Guaporé e algumas savanas inundáveis na região norte de Roraima, a floresta amazônica, e grandes áreas úmidas de interflúvios na floresta tropical mostram pulsos de inundação previsíveis, com uma cheia e uma seca anual, e com máximos e mínimos de pequena amplitude, na faixa de 0,5 a 3 metros. Já aquelas ao longo dos grandes rios amazônicos mostram um pulso de inundação previsível, com uma cheia e uma seca anuais, e com uma amplitude de 6 a 12m por ano. Até 90% dessas áreas úmidas secam durante o período de baixa precipitação pluviométrica.

Na
velha e na nova versão proposta para o Código Florestal, as áreas úmidas não são especificamente mencionadas. Mas o Código em vigor protege faixas de floresta ao longo dos córregos e rios de acordo com a largura do rio, sendo considerado o nível mais alto, isto é, o nível alcançado por ocasião da cheia sazonal do curso d’água perene ou intermitente como definido pela resolução CONAMA de 2002. Esta formulação dá proteção à orla das áreas úmidas, assegurando sua integridade. O novo Código Florestal considera Área de Preservação Permanente (APP) desde a borda da calha do leito regular, sendo esta definida na proposta como: a calha por onde correm regularmente as águas do curso d’água durante o ano. Esta proposição deixaria a maioria das áreas úmidas sem proteção legal, impactando negativamente os serviços proporcionados aos seres humanos e ao meio ambiente.

Exemplificando: as áreas úmidas do rio Amazonas, próximo à Manaus e dos seus afluentes principais se estendem por dezenas de quilômetros. Estas áreas são protegidas pela legislação atual que as considera propriedade da União (Constituição, Art 20), pois pertencem ao leito dos rios, entendido -- há mais de cem anos -- como a calha compreendida entre as margens altas. Estas são definidas como a linha média das margens das vinte maiores cheias registradas. No novo projeto de Código Florestal (o PLC 30), o Artigo 4 considera como APPs: “as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda da calha ao leito regular...”, definindo depois as suas larguras mínimas de acordo com esse leito. Se esta definição de leito de rio prevalecer, não apenas o patrimônio da União ficará subtraído de centenas de milhares de km2, como também as APPs terão uma drástica diminuição.
s áreas úmidas savânicas, com vegetação dominada por arbustos e herbáceas, que se estendem por milhares de quilômetros quadrados, como o Pantanal Matogrossense, o Guaporé, o Araguaia e as savanas de Roraima, não seriam protegidas com base na definição do leito regular do rio (nível normal) constante do Artigo 4 do novo projeto de CF (PLC 30). Em ecossistemas de pulso, a referência à largura da calha regular não aborda o mais importante dos aspectos nesses sistemas, que é a extensão e expansão lateral dessas áreas úmidas, que varia ao longo da paisagem e do ano. Por exemplo, na entrada da planície Pantaneira, a área úmida do Rio Cuiabá é estreita, mas dentro da planície é muito larga, apesar de o leito regular ter a mesma largura. Desta forma, é evidente que a proteção eficiente das áreas umidas só é possível usando o nível máximo de inundação como ponto de referência.

De acordo com artigo 225, da Constituição Federal parágrafo 4, o Pantanal Mato-Grossense é declarado Área de Patrimônio Nacional e o uso de seus recursos tem que ser regulamentado por leis que garantam a proteção do ambiente. No entanto, apesar de ser um ecossistema com condições ambientais específicas, o Pantanal está sujeito às mesmas regras e regulamentos aplicados a todas as outras regiões brasileiras. A atual lei estadual do pantanal (lei N 8.830 de 2008) tem várias carências, destacando-se o fato de considerar como referencial para definir as faixas marginais de preservação ambiental, o nível mais alto do rio, considerado durante o período sazonal da seca. Isso é um contra senso! O período seco no Pantanal pode significar leitos de rios completamente secos. Isso é muito grave e o
novo Código Florestal transfere para os estados esta responsabilidade que é nacional. Desta forma, áreas úmidas como as savanas inundáveis do Guaporé, do Araguaia, e as de Roraima além de passarem desapercebidas como ecossistemas de grande importância no Código Florestal em vigor não são contempladas na nova proposta de Código prestes a ser aprovada, pois somente a planície pantaneira está contemplada como área de uso restrito no Capítulo III da nova legislação proposta.

Em 1993, o Brasil ratificou a Convenção de Ramsar, que exige dos estados signatários não somente o delineamento e a proteção específica das áreas úmidas de importância internacional, mas também um inventário destas, a descrição das suas estruturas e funções e a elaboração de planos para o seu uso sustentável. Apesar do compromisso assumido, até o momento o Brasil encontra-se muito aquém do cumprimento dessas metas. Já é hora destes ecossistemas serem incluídos na legislação brasileira claramente, para posteriormente serem alvo de delimitação, definição e classificação, e regidos por uma política nacional de áreas úmidas, de forma a que atendamos nosso compromisso de assegurar a saúde e as múltiplas funções destes ecossistemas.

Fonte: O ECO

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