Após sofrer constantes ameaças, o padre Geraldo Marcos Labarrère Nascimento, 70 anos, deixou Goiânia e Goiás. Em seus 21 anos na capital do estado, ele denunciou, entre outros crimes, execuções sumárias atribuídas aos 19 policiais militares presos em fevereiro acusados de integrar um grupo de extermínio. Enquanto o religioso se esconde, sob a proteção da Igreja, a Justiça liberta oito desses suspeitos. Para os juízes, o prazo da detenção expirou porque a Polícia Federal não concluiu o inquérito nos 90 dias previstos em lei. A investigação continua e os acusados podem ser detidos novamente.
Por e-mail, sem informar o endereço do esconderijo, nem sequer a unidade da Federação onde se encontra, o padre Geraldo disse ao Correio que continua a militar em defesa dos direitos humanos. “Deixei Goiânia a pedido de colegas da Igreja, mas a minha luta continua”, afirmou. Ele presidia a Casa da Juventude (Caju), no Setor Universitário de Goiânia. Doações mantêm os trabalhos desenvolvidos pela entidade com crianças e adolescentes de baixa renda, além de familiares de vítimas da violência policial. Ao se despedir de parte dos assistidos, há uma semana, o sacerdote não deu detalhes. “Estou saindo do mundo”, brincou com os adolescentes. É a segunda vez que o pároco deixa uma cidade após ser vítimas de intimidações de policiais.
Ele convive com o perigo desde o início dos anos 1980, quando começou a trabalhar com jovens em situação de risco e a assistir famílias vítimas de violência em comunidades pobres de Manaus (AM). Gerlado deixou a capital amazonense e mudou-se para Goiânia justamente por conta de PMs que agrediam e perseguiam moradores da periferia da cidade. Numa madrugada, quando voltava para casa, foi cercado por um oficial e 16 subordinados. Eles colocaram uma metralhadora ao lado do sacerdote, dispararam e avisaram: “O próximo (tiro) vai ser no peito”.
Ao desembarcar em Goiânia, o religioso, um jesuíta, continuou a proteger vítimas de violência policial. Em 28 de abril de 2006, fundou o Comitê Goiano pelo Fim da Violência Policial. Desde então, vive recebendo ameaças. As mais recentes vieram após a Operação Sexto Mandamento, realizada pela PF para desmantelar um esquadrão da morte. À época, o arcebispo de Goiânia, dom Washington Cruz, recebeu um recado de um estranho, dizendo que Geraldo iria ser vítima de acidente ou de latrocínio (roubo com morte). Em outro episódio, a Caju amanheceu cercada por um comboio da PM.
Mais de 20 carros da corporação passaram várias vezes em frente à Casa da Juventude. Em uma delas, PMs desceram na entidade para procurar informações sobre o local. “Todos, principalmente a Polícia Militar, sabem o que fazemos aqui, sabem que assistimos pessoas em situação de riscos, jovens e adultos vítimas de maus-tratos, principalmente de policiais”, ressalta o religioso. Um mês depois, outra advertência, antecipando que iriam tentar plantar, na Caju, onde o padre morava, pacotes com drogas, filmes pornôs e vídeos de pedofilia, o que serviria para, posteriormente, denegrir a imagem do sacerdote e até para representá-lo na Justiça. Esse aviso também teria sido destinado ao presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa goiana, deputado Mauro Rubem (PT).
Na manhã de 11 de maio, um motociclista não identificado estacionou o veículo na calçada da Caju e mexeu no portão, que ainda tinha sinais da tentativa de arrombamento. As câmeras da Casa flagraram o homem olhando na rua para ver se havia alguém. Em 14 de maio, um senhor de aproximadamente 50 anos passou em frente à Caju, no momento em que um funcionário consertava o portão. O homem pediu para usar o banheiro da casa e o empregado da instituição fez questão de acompanhá-lo. Em alerta por causa das intimidações, viu uma arma no bolso do visitante, apontado como PM.
“Fazendo o caixão”
As intimidações se intensificaram em agosto, quando um homem telefonou para a Caju, não quis dizer o nome e exigiu que o atendente repassasse a ligação ao padre. Por causa da resistência em não divulgar sua identidade, foi impedido de falar com o religioso, mas, antes de desligar, mandou dizer que estava “fazendo o caixão” do sacerdote. Em meio aos incessantes avisos de que seria morto, o padre teve de seguir para outra cidade, onde deve continuar seus trabalhos. Para ele, há indícios de que integrantes da PM podem ser os autores das ameaças.
Os problemas enfrentados por defensores dos direitos humanos em Goiás têm preocupado a Igreja Católica no estado. Desde a Sexto Mandamento, as ameaças se intensificaram e levaram uma comissão de religiosos a cobrar do governador Marconi Perillo ações em favor da segurança dos ameaçados, em 30 de agosto. Perillo prometeu encaminhar os nomes à Secretaria de Segurança Pública. Desde então, nenhuma medida foi adotada para proteger as pessoas ameaçadas.
Na última sexta-feira, a Justiça goiana libertou três policiais militares acusados de integrar o grupo de extermínio. A exemplo do que já ocorreu com outros cinco PMs, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) entendeu que a prisão deles se tornou ilegal por excesso de prazo, pois já se passaram mais de 90 dias do encarceramento sem a devida conclusão da instrução criminal. A Corte também mandou libertar, há duas semanas, o cabo Ederson Trindade. Mas, segundo o comandante da Academia da PM, o alvará de soltura do cabo referia-se a um processo no qual Ederson Trindade é réu em Rio Verde (GO). Ocorre que o mesmo militar tem outro mandado expedido pela Justiça em Alvorada do Norte (GO).
Instituição jesuíta
Fundada em 1984 por jesuítas, a Casa da Juventude Padre Burnier (Caju) é um instituto de formação, assessoria e pesquisa sobre juventude. Ela trabalha com várias entidades parceiras, oferecendo cursos, palestras, oficinas e outras atividades a jovens e familiares de baixa renda. A instituição também virou referência para as vítimas de violência policial em Goiás.
Fonte: Correio Braziliense
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