* Natalia Garcia, do projeto Cidade para as Pessoas
Quando desembarquei no aeroporto de Kastrup, fazia calor em Copenhague. A primavera chegava ao fim e o verão se aproximava. Um olhar desatendo às avenidas da cidade poderia dar a falsa impressão de que estavam todos de férias.
A maioria das pessoas se locomove de bicicleta, inclusive em incríveis bicicletas de carga. Depois do trabalho, pedalam para casa, correm à beira do rio, vão ao parque e se deitam na grama… e, no verão, nadam nas águas do canal mais próximo. Talvez seja essa interação com a cidade que dê a sensação de que estão sempre “a lazer”, de férias. “Tínhamos como meta: atingir 85% de satisfação”, conta Pernille Nørby, do Urban Design Department, um departamento da prefeitura que cuida do bem-estar das pessoas. Para poder cumprí-la, Pernille encomendou uma pesquisa, há um ano, e se surpreendeu com o resultado: 93% estavam satisfeitos. “Copenhague estava bem à frente do que imaginávamos”, comemora ela.
É bem provável que você já tenha ouvido falar da capital dinamarquesa como uma referência quando o assunto é “meio ambiente”. Copenhague hospedou várias conferências sobre modelos urbanos e mudanças climáticas e possui uma meta muito clara: em 2025 querem se tornar a primeira capital do mundo a neutralizar suas emissões de carbono.
No entanto, para entender essa meta e o motivo que levou Copenhague a ser essa referência, é preciso compreender o conceito de “meio ambiente” que eles passaram os últimos 60 anos desenvolvendo. Colocar o meio ambiente no norte da administração política significou criar um ambiente melhor para as pessoas viverem.
A origem
O marco inicial desse processo foi a criação, em 1962, da Strøget, a primeira rua de pedestres da Dinamarca e uma das primeiras do mundo. O caso foi emblemático porque essa não era uma das pequenas ruelas medievais típicas das cidades européias. Era, sim, uma importante e movimentada avenida comercial da cidade. A medida foi alvo de pesquisa do planejador urbano dinamarquês Jan Gehl, uma figura importante para consolidar a preocupação com as pessoas na administração política da cidade. “Conhecemos o habitat ideal de todos os animais: da girafa, do leão, do elefante… até do ornitorrinco, mas e o Homo Sapiens? Qual é o lugar ideal para essa espécie viver?”, provoca Gehl, que tem dedicado os 50 anos de sua carreira a responder essa questão.
Foi esse urbanista com essa tese tão visionária que influenciou as gerações políticas posteriores e permitiu que todos os meus dias de trabalho na capital dinamarquesa terminassem aqui:
E, como no verão o sol só se põe às 23h, eu aproveitava boas horas do fim do meu dia dando braçadas na água gelada e salgada desse canal. Mas se sua mente implacável já está pensando que isso jamais seria possível em cidades brasileiras, dê uma olhada em como era essa mesma área em 1991:
Até essa época, a rede de águas pluviais (os canos que levam a água da chuva até os rios e canais) muitas vezes se misturava à rede de esgoto, algo que acontece na grande maioria das cidades brasileiras. Assim, em caso de chuva forte, as galerias de águas pluviais enchiam demais, se misturavam ao esgoto e toda essa sugeira era despejada nos canais. O entorno do rio era também uma área industrial, então ninguém circulava por ali.
“Era impensável usar essa área para o uso recreacional”, diz Jan Rasmussen, do Department of Parks and Nature da prefeitura. Duas eram as grandes causas de poluição nas águas que banhavam Copenhague. Uma delas: a água do esgoto. A outra: o lixo.
Mas, em 1991 foi aprovado um plano de despoluição das águas dos canais e remoção da área industrial, para criar centros de lazer ao redor do rio. De lá para cá, muita coisa mudou. Todas as galerias de águas pluviais foram reconstruídas, para que jamais se misturassem ao esgoto. Além disso, reservatórios de água – como piscinões – foram construídos em pontos estratégicos para que a água da chuva se armazenasse em casos de tempestade e não alagasse os canais. O encanamento dos esgotos também foi, em grande parte, reconstruído, para que os canos não permitissem vazamentos. O lixo, que era, em parte, descartado em aterros sanitários, contaminando o solo, hoje tem outro destino: 50% dos resíduos são reciclados e 50% incinerados.
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Um passeio de bike em Copenhague
“Quando o plano começou a ser colocado em prática, nadar nos canais era algo que imaginávamos que demoraria muito a acontecer”, diz Rasmussen. “Mas 15 anos depois, em 2005, tivemos nossa primeira piscina no canal Havnebadet”, completa o técnico. Hoje já são três piscinas públicas na cidade.
As metas para o futuro
Ser uma cidade sem emissões de carbono é uma meta que derivou do objetivo de ser uma cidade para pessoas. “Claro que, técnicamente, é impossível não emitir carbono”, explica Morten Kabell, técnico do conselho de mudanças climáticas da prefetura. E ele tem razão: até a respiração dos seres humanos libera carbono no meio ambiente. “Nossa ideia é reduzir as emissões até o limite e estimular empresas a comprarem cotas de carbono para neutralizar o que sobrar”, conclui. Conheça algumas das medidas:
Transportes:Hoje 55% das viagens na região central de Copenhague já são feitas de bicicleta. Mas até 2025 a prefeitura quer alcançar essa marca nas viagens feitas também nas áreas periféricas da cidade. “Além de diminuir as emissões de carbono, essa mudança é economicamente vantajosa”, explica Adreas Røhl, engenheiro técnico da secretaria de transportes. Conheça a relação história da cidade com o uso de bicicletas e entenda por que elas são economicamente vantajosas nesse vídeo:
Energia: Desde 2000 Copenhague investe em um projeto de fazenda eólica em alto mar e, já em 2007, 17,9% de toda a Dinamarca era abastecida pelo sistema. A meta é, em 2050, abastecer 50% do país dessa forma.
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Se Copenhague será capaz de neutralizar suas emissões é difícil de responder. Mas é fato que, se a cidade não alcançou a meta de ser o habitat ideal para o homosapiens viver, está bem próxima disso. Mais: Copenhague descobriu que priorizar as pessoas na agenda política é economicamente vantajoso. Temos um bocado para aprender, não?
* a jornalista Natália Garcia criou o projeto Cidades para Pessoas. Durante um ano ela vai viajar por 12 cidades do mundo e morar por um mês em cada uma delas em busca de boas ideias de planejamento urbano que tenham melhorado essas cidades para quem mora lá. Veja mais emwww.cidadesparapessoas.com.br
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