1 de dezembro de 2010

PL enfraquece política ambiental


O projeto do novo Código Florestal, em trâmite no Congresso Nacional, chamou atenção da mídia e da sociedade, por seus efeitos danosos ao meio ambiente. Porém, com conseqüências ambientais tão, ou ainda mais desastrosas, o atual Projeto de Lei Complementar nº 01/2010, segue praticamente anônimo na grande mídia e nos debates da sociedade civil. O projeto que já foi aprovado na Câmara e agora está prestes a ser aprovado no Senado, pode desestruturar toda a política nacional de fiscalização ambiental, enfraquecer o Ibama e aumentar o desmatamento.

O texto original do deputado Sarney Filho (PV-MA), tinha o objetivo de regulamentar o artigo 23 da Constituição Federal, e esclarecia as atribuições da União, dos estados e dos municípios para que trabalhassem de forma coordenada nas questões ambientais. Porém, o projeto sofreu mudanças substanciais durante a tramitação na Câmara, e uma emenda de última hora, que contou com o apoio da base parlamentar do governo e de deputados da bancada ruralista, tira os poderes de fiscalização do Ibama e enfraquece as decisões do Conama.

Sobre essa questão, a senadora
Marina Silva (PV-AC), recentemente publicou em seu blog: “Uma proposta que visava criar instrumentos e formas de cooperação entre a União, os estados e os municípios pode, na verdade, provocar o oposto: divisão e enfraquecimento das instituições públicas. Com isso, em vez de o Legislativo ajudar a enfrentar os problemas extremamente graves que afetam a saúde, a economia e o meio ambiente, estará anulando o que já se conquistou. E o pior, com a complacência do Poder Executivo.”

A preocupação da senadora tem procedência, uma vez que o artigo 17 da nova lei estabelece que o órgão responsável pelo licenciamento de um determinado empreendimento é quem tem competência para apurar e punir o ilícito ambiental. “Isso vai engessar e diminuir a capacidade de fiscalização do Estado, porque hoje, segundo a Constituição os três entes federativos têm o poder de fiscalizar. Se um agente vê uma atividade ilegal ele pode agir. Pela nova regra só pode autuar, aplicar uma medida administrativa para paralisar o dano ambiental o órgão responsável por seu licenciamento,” destaca Raul Valle, assessor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA).

Para Nilo D'Ávila, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, a medida tira a capacidade do governo federal de intervir em situações extremas de agressão à natureza e estimula o desmatamento. “O desmatamento, por exemplo, é hoje exclusividade de licenciamento dos estados. O projeto diz que quem licencia, fiscaliza. Então a fiscalização sai da alçada da União; o Ibama não poderia mais fiscalizar. Hoje, nenhum estado tem estrutura para fazer o combate ao desmatamento do tamanho do desafio proposto, em vez de você pensar em uma política de soma, você está dividindo”, critica.

Situação na prática
O advogado João Arnaldo Novaes, especializado em direito ambiental, explica como essa situação ocorreria na prática. “Por exemplo, um caminhão que transporta toras de madeira ilegal do Pará para São Paulo, não poderia ser fiscalizado por nenhuma outra instituição, inclusive fiscais da Cidade de São Paulo, senão pelo órgão ambiental do Estado do Pará, uma vez que esta atividade (corte, transporte e armazenamento) é de competência estadual.” Ademais, ele ressalta que esse dispositivo é ilegal, pois contraria o artigo 23 da constituição que determina que as competências comuns da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, devem ser exercidas conjuntamente e não de forma concorrente.

Para o deputado Sarney Filho, essa medida enfraquece a posição do Brasil no exterior. “Nós estamos às vésperas da COP-16 sobre o clima ( a entrevista foi feita na semana passada). Se isso for votado no Senado conforme querem e conforme estão dizendo que há um interesse grande por parte do governo, então nós vamos chegar completamente desmoralizados em Cancún.” Vale salientar que o governo brasileiro assumiu o compromisso voluntário de reduzir a emissão de gases de efeito estufa em 36,1% a 38,9% até 2020. Segundo D'Ávila essa meta está calçada principalmente no combate ao desematamento, que vai ficar prejudicado com a aprovação desse projeto.

Quem vai relatar o projeto no Senado, é o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR). Segundo a assessoria do senador, o parecer já está pronto, porém ele não vai se pronunciar ainda porque a senadora Marina ingressou com três emendas e solicitou uma audiência pública para debater o projeto no Senado. A realização da audiência foi aprovada na Comissão de Meio Ambiente, porém ainda não tem data marcada.


A emenda substitutiva que alterou a essência do projeto na Câmara foi apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT/SP). No entanto, o próprio deputado discorda do artigo 17 e diz que o projeto era para ser aprovado sem essa emenda. Porém, como o governo tinha muito interesse na aprovação do projeto, e alguns deputados do Pará condicionaram sua aprovação à inclusão do referido artigo, o deputado fez um acordo com Carlos Minc, então ministro do meio ambiente: o artigo 17 seria incluído no projeto para ter o apoio dos deputados paraenses e em troca o governo se comprometeu a vetar posteriormente esse artigo.

Uma fonte ligada ao governo, que preferiu não se identificar, afirmou categoricamente que o governo Lula tem o compromisso de vetar o artigo 17. Porém, outras inconsistências também são apontadas no projeto como a dispensa no licenciamento para construção de vilas militares, centros de treinamento e similares e a possibilidade de esvaziamento do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), que perderia atribuições para uma nova Comissão Tripartite Nacional, formada por representantes dos governos federal, estaduais, distrital e dos municípios, para, entre outras atribuições, propor ao presidente da República a edição de decreto que estabelecerá quais empreendimentos causam grande impacto ambiental.

“O Conama é formado majoritariamente por representantes das três esferas de governo, mas também por representantes dos setores econômicos (indústria, agricultura, pecuária e comércio) e das organizações não governamentais. Perdemos em qualidade ao deixar de ouvir esses setores e perde principalmente a democracia. Para compensar, seria ouvido apenas um membro do conselho, o que não faz nenhum sentido, dado o caráter colegiado do órgão,” destaca Marina Silva. Um dos interesses do governo nesse projeto seria viabilizar as obras do PAC que muitas vezes esbarram nas questões ambientais. Para o líder do Partido Verde na Câmara dos Deputados, Edson Duarte (PV-BA), com a flexibilização das competências, o governo está tentando encontrar a saída mais fácil para o problema do licenciamento, que nunca recebeu investimentos para ter uma estrutura adequada.

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